Primeiro artigo da série que explora o contexto das experiências não-ordinárias no Brasil e como elas impactam nossa população. Todos os dados foram coletados e relacionados a partir de estudos feitos pelo grupo de Neurociência das Crenças e Valores do Instituto D´or de Pesquisa e Ensino.
Autores Luiza Tavares e Giovanna Bortolini
Você já sentiu algo que não conseguia explicar? Uma presença no quarto vazio, uma voz sussurrada sem origem aparente ou uma emoção tão intensa e repentina que parecia vir de fora? Essas vivências misteriosas, conhecidas na literatura neurocientífica como “experiências não-ordinárias”, são mais frequentes do que se imagina.
Uma série de estudos recentes com aproximadamente 20 mil brasileiros conduzidos pelo Grupo de Neurociência das Crenças e Valores do Instituto D’or de Pesquisa e Ensino (IDOR) e Ciência Pioneira acaba de trazer à luz um retrato desse fenômeno na nossa população. Alguns dos dados mais relevantes obtidos pelo grupo serão compartilhados neste site, a partir de agora, através de artigos agrupados pelos principais temas relativos aos resultados. Fique de olho nas publicações. Afinal, pode ser que este conteúdo te ajude a explicar algo que já tenha se passado com alguém que você conheça… ou até com você mesmo.
COMO OS ESTUDOS FORAM FEITOS?
Com o apoio da John Templeton Foundation e em parceria com o Ciência Pioneira, a pesquisa ouviu pessoas de todas as regiões do Brasil para investigar situações e experiências individuais que fogem do cotidiano. Exemplos de alguns destes fenômenos são sonhos vívidos demais, a sensação de completamente perder o tempo quando você ficou focado numa tarefa, visão de luzes ou figuras sem explicação, escuta de vozes, sentimento de ser guiado por uma força invisível ou a sensação de deixar o próprio corpo.
O que diferencia este estudo da maior parte da literatura nesta área é que, em vez de partir de um olhar clínico e psicopatológico para estes casos, os pesquisadores buscaram entender o que essas experiências significam para quem as vive e qual impacto, positivo ou negativo, forte ou leve, elas causam na vida das pessoas a curto e longo prazo.
Para isso, foi utilizado o Inventário de Experiências Não-ordinárias (INOE), uma ferramenta desenvolvida originalmente pelo time da pesquisadora americana Ann Taves, da Universidade de Santa Bárbara, na Califórnia, em 2023. O INOE foi pensado para identificar e descrever experiências subjetivas incomuns sem atribuir, de forma prévia, juízo de valor ou diagnóstico clínico. A versão aplicada no Brasil foi adaptada culturalmente e ampliada pelo time de pesquisadores do IDOR, que incluíram itens mais próximos do contexto brasileiro, como vivências de mediunidade, estados de transe e emoções transcendentais.
O QUE OS DADOS REVELAM SOBRE A PREVALÊNCIA DAS EXPERIÊNCIAS NA POPULAÇÃO BRASILEIRA?
De acordo com os dados coletados pela versão brasileira adaptada do INOE, mais de 50% dos participantes da pesquisa relataram já terem vivido pelo menos uma experiência não-ordinária, ao menos uma vez na vida. Essas experiências podem ser divididas em grupos conceituais que compartilham alguma característica em comum.
Dentre os grupos, temos aquelas experiências relacionadas à doença ou saúde (2 experiências), às emoções de forma ampla (10 experiências) e às emoções transcendentais especificamente (7 experiências). Também temos grupos relativos às habilidades ditas extraordinárias (4 experiências), à presença de algo (5 experiências), a alteração do sentido do eu (3 experiências), às alterações dos sentidos e corpo (10 experiências), à contextos específicos de rituais (2 experiências), e ao significado ou sentido da vida (1 experiência).
Fazendo uma média ponderada da frequência dessas experiências, é interessante notar que o grupo mais frequente é o das emoções transcendentais, aquelas experiências emocionais tão intensas que nos fazem pensar no bem do outro ou se sentir parte de algo maior do que nós mesmos. Elas podem acontecer diante de algo muito belo, num momento espiritual profundo, durante uma meditação, na natureza ou mesmo ouvindo uma música tocante. Os menos frequentes são experiências relacionados a contextos de rituais e presença de uma força ou algo. Interessante notar que mesmo nos grupos menos frequentes, 1 em cada 5 brasileiros já tiveram experiências dentro desses contextos. Portanto, será que elas são tão incomuns mesmo?
No geral, o que essa pesquisa sugere é que há um território muito relevante e ainda pouco explorado nos estudos das experiências não-ordinárias na população brasileira. E que nesse espaço podem viver histórias, emoções e percepções que, embora invisíveis aos olhos de quem nunca passou por algo parecido, podem marcar a trajetória de quem as experimenta.
Agora, resta uma pergunta: quais os impactos reais destas experiências e seus desdobramentos? Há alguma relação que possa ser feita entre as vivências não-ordinárias e saúde mental? Essas questões guiam os próximos artigos desta série. Acompanhe.
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