O farmacêutico Artur da Silva, professor da Universidade Federal de Goiás, construiu sua trajetória acadêmica com um propósito claro: desenvolver novos produtos que possam substituir os modelos animais na pesquisa biomédica. Selecionado na primeira chamada pública da Ciência Pioneira, Artur lidera um projeto inovador para estudar a retinopatia diabética por meio de um chip que simula células da retina de pacientes com a doença, preservando as informações genéticas de cada indivíduo para investigar com mais precisão como ela se desenvolve.
Em entrevista à Ciência Pioneira, o pesquisador fala sobre os diferenciais do projeto, os caminhos da medicina de precisão, a expectativa de fazer ciência de fronteira no Brasil e aconselha pesquisadores interessados no Edital 2026.
Qual foi a sua principal motivação para desenvolver este projeto?
Descobrimos poucos produtos de inovação radical a cada ano. Ainda há muitas doenças para as quais não temos tratamento eficaz, como Alzheimer e diabetes.
Quando concluí a graduação, decidi que queria trabalhar justamente nessa linha de pesquisa — buscando novas formas de tratamento para as pessoas. Ao longo de minha formação no mestrado e doutorado, fui percebendo que muitos dos produtos que temos hoje ainda são desenvolvidos com base em modelos animais. Vi que talvez não estejamos avançando como poderíamos no desenvolvimento de novos medicamentos justamente por estarmos usando modelos que não representam a biologia humana.
Na sua pesquisa, você está desenvolvendo o “patient-on-a-chip”. Qual é a inovação por trás desse modelo?
Vamos trabalhar com células de pacientes que têm retinopatia diabética. Sabemos que, em casos de diabetes mal controlada, o paciente pode começar a perder a visão, mas também há pessoas com a mesma condição que não desenvolvem a doença ocular.
A nossa ideia é justamente investigar o que diferencia esses dois grupos, analisando marcadores inflamatórios, sinais de morte celular e outros elementos que possam indicar caminhos para um diagnóstico precoce e, quem sabe, novas possibilidades de tratamento.
Esse modelo é inovador principalmente porque preserva todo o background genético do paciente.
Como as células dos pacientes com retinopatia diabética serão obtidas?
A partir de um fio de cabelo desses pacientes com diabetes. Obtidas as células, vamos reprogramá-las em células-tronco e, depois, diferenciá-las em células da retina. Em seguida, essas células serão inseridas em um dispositivo que cabe na palma da mão — um chip — que simula o ambiente da retina.
O chip permitirá simular aspectos importantes, como o fluxo sanguíneo e a interação entre diferentes tipos celulares. A ideia é criar compartimentos dentro desse chip para entender como essas células se comunicam entre si.
Como essa tecnologia pode contribuir para acelerar o desenvolvimento de novos tratamentos para a Retinopatia Diabética?
Os principais aspectos desse modelo é que ele busca se aproximar ao máximo da fisiologia da retina humana. Nosso modelo vem com essa proposta dupla: substituir o uso de animais, e, ao mesmo tempo, ser mais relevante do ponto de vista fisiológico. A ideia é que aquilo que eu observar no chip tenha relação direta com o que vejo na clínica. E, como vamos extrair as células diretamente dos pacientes, também teremos acesso aos prontuários deles — o que nos permitirá correlacionar o estágio da doença (mais avançado ou mais leve) com as alterações observadas no modelo.
“A ciência nunca foi e nunca será feita de forma isolada, e estar dentro de uma rede articulada com cientistas que ousam arriscar cria um ecossistema de possibilidades para desvendarmos o mundo.”
A sua pesquisa se enquadra em uma ciência disruptiva por mudar uma lógica construída ao longo de muitas décadas, cumprindo o principal critério do primeiro Edital Nacional da Ciência Pioneira. De que forma o Edital transformou o rumo do seu projeto?
Acho que a Ciência Pioneira veio em um momento extremamente necessário, especialmente por causa do estilo do nosso projeto — que é altamente disruptivo. Ele dificilmente seria financiado por uma agência de fomento tradicional justamente por ser um projeto de alto risco.
A Ciência Pioneira nos deu essa oportunidade — e, mais do que isso, nos deu coragem. Coragem para tirar do papel uma proposta de fronteira, que em um edital tradicional talvez não tivesse espaço.
A Ciência Pioneira vai abrir o novo Edital Nacional em janeiro de 2026. O que você falaria para outro pesquisador interessado em entrar nessa jornada?
O Edital Ciência Pioneira é mais do que um simples fomento à pesquisa. Ele te devolve a coragem para buscar respostas e desenvolver soluções arriscadas para problemas complexos. Além disso, pertencer a essa comunidade fará com que você se conecte com ideias extraordinárias, pessoas brilhantes e viva momentos indescritíveis de troca e aprendizado. Afinal de contas, a ciência nunca foi e nunca será feita de forma isolada, e estar dentro de uma rede articulada com cientistas que ousam arriscar cria um ecossistema de possibilidades para desvendarmos o mundo.
Acompanhe as redes sociais da Ciência Pioneira para conhecer mais de cada projeto financiado pela iniciativa filantrópica e receber atualizações sobre o Edital 2026.
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