Final de ano no Brasil: a importância dos rituais festivos

Final de ano no Brasil: a importância dos rituais festivos

22 de dezembro de 2025

A série “O Mapa da Religião no Brasil” explora as dimensões da religiosidade no país e os efeitos dela na população. Todos os dados foram coletados e relacionados a partir de estudos feitos pelo grupo de Neurociência das Crenças e Valores do Instituto D´Or de Pesquisa e Ensino.

Autor: Ronald Fischer

O Natal chegou. No Brasil, essa época do ano tem um sabor especial: é quando as rotinas desaceleram, as casas mudam de cara e a vida cotidiana ganha pequenos rituais que só fazem sentido porque acontecem uma vez por ano. Montar a árvore de Natal, preparar a ceia com a família, organizar o amigo secreto, ir à missa ou simplesmente se sentar à mesa para comer junto são gestos simples, mas carregados de significado. Poucos dias depois, o Ano Novo chega trazendo outros rituais igualmente marcantes: vestir branco, pular sete ondas na praia, fazer pedidos, abraços à meia-noite. Tudo isso ajuda a marcar o tempo, encerrar ciclos e criar a sensação de recomeço.

Esses rituais não existem por acaso. Uma série de estudos, publicados pelo nosso Grupo de Neurociência dos Valores e Crenças, mostram os vários efeitos positivos de rituais que fazemos. Eles organizam nossas emoções, reforçam vínculos e nos lembram de quem somos e com quem contamos. Em um país diverso como o Brasil, as formas variam, mas o núcleo é o mesmo: reunir pessoas, compartilhar comida, histórias e expectativas. A ceia de Natal, por exemplo, não é apenas sobre o que está no prato. É sobre cozinhar juntos, discutir receitas, lembrar de parentes que não estão mais presentes e atualizar laços que, ao longo do ano, ficam em segundo plano. O mesmo vale para os preparativos do Ano Novo, seja arrumando a casa, escolhendo a roupa branca ou decidindo onde a virada será celebrada.

Pesquisas em diferentes culturas mostram que esse tipo de ritual anual tem efeitos reais sobre o bem-estar e a saúde mental. Um estudo internacional do nosso grupo acompanhou um grande festival na Índia, o Diwali, conhecido como o festival da luz. Assim como o nosso Natal, ele envolve dias de preparação, limpeza da casa, decoração, compra de presentes, preparo de comidas especiais e encontros familiares. O objetivo dos pesquisadores não era comparar culturas, mas entender o impacto psicológico desses rituais coletivos.

O QUE OS DADOS REVELAM

Os resultados foram claros: ao longo das semanas que cercavam a celebração, as pessoas se sentiram mais felizes, mais conectadas umas às outras e relataram menos incômodos com a própria saúde. Curiosamente, o que mais fez diferença não foi o dia da festa em si, mas o tempo gasto nos preparativos. Limpar a casa, decorar, cozinhar e fazer isso com outras pessoas teve um efeito positivo maior do que atividades mais focadas em consumo ou troca de presentes. Onde o ritual era mais comunitário e simples, os benefícios para o bem-estar foram ainda mais evidentes.

Essa conclusão dialoga diretamente com nossas próprias experiências no Brasil. Quando montamos a árvore de Natal em família, quando passamos horas preparando a ceia ou quando organizamos a virada do ano, não estamos apenas “cumprindo uma tradição”. Estamos criando momentos de antecipação, cooperação e memória compartilhada. São esses processos que fortalecem os vínculos e ajudam a regular nossas emoções, especialmente em períodos de cansaço, estresse ou incerteza.

Mesmo em um mundo em que os celulares e as mídias sociais parecem substituir o contato humano, os rituais continuam sendo importantes. Esses gestos são formas de preservar a sensação de continuidade e sinalizam para o cérebro que algo especial está acontecendo, que o tempo foi marcado e que não estamos sozinhos.

Muitas vezes esses pequenos rituais em casa, com atos repetitivos como limpar talheres ou os pratos ajudem em focar a nossa atenção e isso ajuda a diminuir o estresse e acalmar a ansiedade. Cantar uma música em sincronia com amigos e ente queridos ajudam a regular o nosso batimento cárdico e nos acalmam. A neurociência consegue explicar como essas práticas simples têm um efeito profundo no nosso corpo, promovendo maior tranquilidade e conexão um com outro.

O Natal e Ano Novo, no fundo, são grandes pausas coletivas. Elas nos permitem olhar para trás, encerrar ciclos e projetar o futuro com um pouco mais de esperança. Valorizar esses rituais — seja a ceia, a árvore, as sete ondas ou o simples ato de sentar-se à mesa juntos — não é apenas uma questão cultural ou simbólica. É também uma forma concreta de cuidar da nossa saúde mental e do nosso bem-estar, reforçando aquilo que mais importa: os laços que nos conectam.

LEIA ALGUNS DOS ESTUDOS DO GRUPO NEUROCIÊNCIA DOS VALORES E CRENÇAS MENCIONADOS NO ARTIGO:

Um modelo de construção de nicho que conecta rituais, redes sociais e conexão com a natureza

Impactos do canto sincronizado e da fusão identitária na percepção da força do grupo, da ameaça externa e do altruísmo paroquial entre torcedores de futebol

Contágio emocional em um ritual coletivo

Dançar para os mortos: como crenças prévias influenciam a coesão social e a regulação da ansiedade em rituais coletivos naturais


Mapeando as mentes dos espectadores durante um ritual extremo: uma perspectiva em rede


Kiwi Diwali: um estudo longitudinal da conexão social percebida após um ritual religioso cívico


Como o tempo dedicado aos rituais se relaciona com vínculos sociais, emoções e saúde percebida: um estudo longitudinal do Diwali em duas comunidades indianas

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