Sétimo artigo da série que explora o contexto das experiências não-ordinárias no Brasil e como elas impactam nossa população. Todos os dados foram coletados e relacionados a partir de estudos feitos pelo grupo de Neurociência das Crenças e Valores do Instituto D´or de Pesquisa e Ensino.
Autora: Maria Clara Laport
É enorme o leque de emoções que nós, seres humanos, podemos experienciar durante diferentes momentos de nossas vidas. Essa variedade é tão grande que muitas vezes não sabemos nem nomear exatamente o que estamos sentindo.
Qual nome você daria, por exemplo, para a sensação que sentimos ao estarmos diante de uma enorme cachoeira e nos darmos conta, por alguns instantes, do quanto somos pequenos diante dela. Ali, é como se o tempo se suspendesse por alguns segundos e esperasse aquele estímulo se acomodar dentro de nós. Essa descrição pode parecer bastante específica, mas corresponde a sensações associadas a uma emoção muito pesquisada, mas que, no Brasil, não tem um nome que a traduza.
Em inglês ela se chama awe, em alemão Ehfurcht, em japonês 畏敬 (ikei); e, em todos esses idiomas, essas palavras carregam no significado um misto de admiração, reverência e temor. Porém, em nosso idioma, nenhuma palavra consegue capturar em totalidade essas nuances; por isso, em português, a emoção é geralmente traduzida como “deslumbramento”.
Imagem 1. “Deslumbramento é a sensação de ser tão pequeno que começo a me questionar se existe um ‘eu’ de fato.”.
Fonte: Grant Snider, 2024. Disponível em: https://incidentalcomics.substack.com/p/the-feeling-of-awe
SE É DIFÍCIL DE TRADUZIR, ENTÃO BRASILEIROS NÃO SENTEM ISSO?
Essa ausência de tradução, contudo, não quer dizer que essa não seja uma emoção frequentemente experienciada no Brasil. Dados de pesquisas realizadas pelo Grupo de Neurociência das Crenças e Valores do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), mostraram que mais da metade das pessoas participantes já viveram alguma nuance dessa emoção ao menos uma vez na vida.
Para além de ser uma emoção bastante específica em suas características – que unem o impacto diante de algo grande ou vasto e uma necessidade de “rearrumar a cabeça” para dar conta do que está acontecendo –, o deslumbramento é também uma emoção muito rica em variedade de contextos.
Dependendo do estímulo que o faça surgir, o deslumbramento pode ser “temperado” com diversas outras sensações, como medo, admiração, grande beleza estética, ou até mesmo a impressão de algo sobrenatural. Esse misto de sensações pode fazer com que a experiência vivida seja avaliada de forma mais positiva ou negativa.
EM QUAIS CONTEXTOS BRASILEIROS EXPERIENCIAM DESLUMBRAMENTO?
Outro estudo realizado pelo IDOR classificou, a partir de autorrelatos de experiência, em quais contextos as pessoas geralmente sentem deslumbramento no Brasil. Diferentemente do que é visto em pesquisas de outros países, nas quais o contexto de natureza costuma ser o mais frequente, por aqui, os contextos de espiritualidade são os mais capazes de provocar deslumbramento.
Nas experiências de deslumbramento com “temperos” mais positivos, a espiritualidade é muitas vezes associada à religião. Já nas de temperos mais “negativos”, a espiritualidade é acompanhada por experiências consideradas paranormais, embora associações com religiões também sejam citadas. Além disso, experiências de primeira vez são muito frequentes em ambos os tipos de deslumbramento, que também compartilham os demais temas, embora em proporções diferentes.
Imagem 2. Frequência absoluta dos dez temas mais recorrentes para as emoções de deslumbramento positivo e negativo.
Como vimos, o deslumbramento é classificado como uma emoção de transcendência e assim como as demais desse grupo, desloca nosso foco de nós mesmos e nos conecta a algo maior, seja o sagrado, a natureza ou outras pessoas. Além disso, é através desse sentimento de conexão que, segundo a literatura, o deslumbramento nos leva a ter comportamentos mais cooperativos e também aumenta nossa sensação de bem-estar.
O que vimos hoje é apenas o início do mundo que pode ser explorado acerca do deslumbramento. Por isso, fique atento à nossa série, pois nas próximas semanas, nos aprofundaremos ainda mais nessa emoção tão fascinante!
Mas antes, uma rápida pergunta: como foi a última vez que você sentiu deslumbramento?
Compartilhar