A iniciativa filantrópica coordenou quatro workshops durante o Encontro Nacional de Educação STEAM; Foco é conectar a ciência básica aos educadores do ensino fundamental e médio

Enquanto lecionava na Universidade Livre da Holanda, Ana Clara Cassanti enfrentou o desafio de integrar alunos de diferentes países e culturas. Para resolver esse dilema, ela implementou o modelo de classe mista (veja mais abaixo), que se mostrou um sucesso e que ela leva consigo até hoje. Atualmente, Ana Clara é gerente de educação na Ciência Pioneira e teve a oportunidade de aplicar essa metodologia durante o Encontro Nacional STEAM, que ocorreu entre os dias 23 e 27 de setembro. 

O evento reuniu 250 educadores de ciências de todos os estados do Brasil. Ana Clara ministrou workshops para 100 deles, a fim de sensibilizá-los sobre a importância da ciência básica para a formação dos estudantes. O evento foi realizado no Inova USP, centro de inovação no campus Butantã da Universidade de São Paulo. 

O objetivo do encontro foi proporcionar aos participantes acesso a metodologias de ensino inovadoras e fortalecer a educação científica e tecnológica em escolas públicas. Além disso, os educadores participaram de dinâmicas para elaborar um plano de ação adaptado a cada estado brasileiro. 

“A participação da Ciência Pioneira nesse evento foi muito positiva”, avalia Ana Clara. “Participamos de um encontro que reúne educadores e gestores de escolas públicas de todo o Brasil. É um evento importante para a nossa área de educação, que tem como um de seus objetivos apoiar jovens de baixa renda no acesso ao ensino profissionalizante e científico.” 

Para ela, a missão das ações educacionais da Ciência Pioneira vai além de simplesmente formar cientistas. O objetivo é mostrar que a ciência é um meio de transformação para a vida dos jovens, e que o letramento científico tem papel fundamental na formação de estudantes. 

O modelo de classe mista 

Aplicado no workshop da Ciência Pioneira, o modelo de classe mista é estruturado em três fases: 

1. Sensibilização

A etapa inicial tem o objetivo de sensibilizar os interlocutores e criar um ambiente de aprendizado seguro e acolhedor. Aqui, as intervenções são feitas para que os alunos se vejam como seres humanos com histórias e dificuldades únicas, e isso promove empatia e compreensão. 

Na oficina, a fase teve início com a pergunta sobre como os professores-alunos se sentiam. As respostas eram apoiadas por um gráfico com fotos representando diferentes emoções, numeradas de 1 a 12, para que os participantes pudessem expressar seus sentimentos. 

Outro momento sensibilizador foi a formação de grupos de participantes para compartilharem o melhor elogio que já receberam. As respostas foram variadas, incluindo elogios por ajudar na aprovação no vestibular e até comparações com pessoas e familiares queridos. 

2. Engajamento 

A segunda fase teve como objetivo estimular interações construtivas entre os alunos. Segundo Ana Clara, até mesmo os momentos de discordância, ou “momentos quentes”, são propícios para fortalecer a colaboração e a escuta. Nesta etapa, o foco foi refletir sobre o conceito de ciência básica. Por definição, significa é a ciência caracterizada pela busca do conhecimento em si, independentemente de sua aplicação prática. Assim, ela é considerada o “coração” das descobertas. 

Dessa forma, Ana Clara citou exemplos de diversas disciplinas lecionadas pelos participantes para ilustrar o impacto da ciência básica no cotidiano dos alunos. Na matemática, por exemplo, a teoria dos números — pouco aplicável em seu surgimento — impulsionou, anos depois, a criptografia e a ciência da computação. 

Além dos exemplos históricos, os participantes da oficina também compartilharam suas próprias memórias. Eles discutiram o quanto gostavam da ciência básica quando eram alunos e de que maneira a ciência básica afeta e contribui para o dia a dia em suas regiões, justamente para alinhar o conhecimento teórico às histórias de vida. 

3. Otimização 

Na última etapa, o foco foi a otimização da experiência de aprendizado por meio da diversidade de perspectivas. Inspirados pelo primeiro passo do método científico, os participantes foram desafiados a criar um pré-projeto de iniciação científica que abordasse questões relevantes de suas regiões, utilizando pelo menos duas ciências básicas de forma interdisciplinar. 

Divididos em grupos, os professores-alunos começaram com um exercício de observação, por meio da reflexão sobre os problemas locais que poderiam resolver em parceria com os alunos. Além disso, eles mapearam os principais atores envolvidos, como alunos, professores e financiadores, necessários para viabilizar as propostas de projetos. 

Os grupos identificaram, então, as possíveis dificuldades que poderiam surgir durante a execução, como a falta de recursos. Ao final, cada grupo teve a oportunidade de apresentar suas ideias de pré-projetos de iniciação científica para os demais participantes. 

Para Ana Clara, os resultados do workshop foram valiosos e enriquecedores. “Ouvir as reais necessidades dos professores de todas as regiões do país foi inspirador para construir projetos mais sólidos, com potencial para impactar um número significativo de educadores e jovens.” 

Ela destacou, ainda, a importância de estimular a persistência nos alunos. “É necessário incentivá-los s a continuar em projetos de iniciação científica mesmo quando os resultados não são os esperados. Essa abordagem ajuda a reconhecer o valor das tentativas e dos erros no processo científico, especialmente nas ciências básicas.” 

Desafios da educação em ciências no Brasil 

Um assunto que permeou as discussões dos workshops em vários momentos diz respeito às dificuldades de ensinar e aprender ciência no Brasil. Há várias formas de compreender este tema, entre elas a execução pesquisas nacionais e a escuta ativa dos relatos de professores. 
 
Um exemplo da primeira abordagem é a pesquisa Panorama da Educação STEM no Brasil, realizada pelo British Council, que revela que apenas 33% das escolas de ensino fundamental possuem infraestrutura adequada para laboratórios de ciências. Além disso, 57,5% dos alunos dessa etapa educacional nas escolas públicas estão nos níveis mais básicos de alfabetização científica. 

Na segunda abordagem, mais particular, o relato de Luisa Brasil Viana Matta, professora de biologia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (IFAM), é revelador. Ela enfrenta um desafio diário: a falta de interesse dos alunos, especialmente entre os estudantes do ensino médio.  

“Dedico muito tempo às minhas aulas, passo dias pensando em como torná-las interessantes”, relata. “Às vezes, chego cheia de expectativas, convencida de que será uma experiência legal, mas muitas vezes isso não acontece. Mesmo com atividades variadas, percebo que alguns alunos continuam desinteressados.” 

Apesar das dificuldades, Luisa persiste em apresentar conteúdos sobre a ciência da vida de maneiras atrativas para os adolescentes. Inclusive, o workshop oferecido pela Ciência Pioneira acendeu uma nova fonte de inspiração. Com experiência na ciência básica, por meio de seu mestrado em botânica, ela acredita que esse conhecimento deve ser mais valorizado no espaço escolar. 

Em sua avaliação, o workshop foi extremamente proveitoso e prático. “Todas as etapas foram muito interessantes. Conversei com pessoas que nunca tinha conhecido e, de repente, estávamos compartilhando nossas experiências de vida. Terminei a oficina energizada e feliz por ter trocado ideias com os colegas”, diz a professora.