Desvendando as “NOEs”: o que experiências não-ordinárias e os sentidos nos revelam sobre os brasileiros

Desvendando as “NOEs”: o que experiências não-ordinárias e os sentidos nos revelam sobre os brasileiros

18 de julho de 2025

Quarto artigo da série que explora o contexto das experiências não-ordinárias no Brasil e como elas impactam nossa população. Todos os dados foram coletados e relacionados a partir de estudos feitos pelo grupo de Neurociência das Crenças e Valores do Instituto D´or de Pesquisa e Ensino.

Autora Giovanna Bortolini

Para algumas pessoas experiências como ouvir seu nome ser chamado quando não há ninguém por perto ou ver coisas que ninguém mais enxerga pode soar como algo sobrenatural. Para outras, pode ser motivo de preocupação com a própria saúde mental. Mas e se essas vivências forem, na verdade, mais comuns do que imaginamos e extrapole essas interpretações? Como nós enquanto sociedade devemos lidar com essas experiências?

Como vimos nos últimos artigos da série, o INOE é um questionário que mapeia experiências que as pessoas consideram incomuns, marcantes ou fora de sua rotina, sem recorrer a rótulos religiosos, sobrenaturais ou clínicos. Essa neutralidade é central já que o questionário foi desenhado justamente para captar fenômenos subjetivos. Dentro desse questionário as experiências podem ser divididas em grupos conceituais e, no presente artigo, vamos abordar o grupo de experiências relacionadas aos sentidos do corpo humano, ou seja, aquelas experiências que envolvem alterações, intensificações ou distorções na percepção sensorial como visão, audição, tato, olfato e propriocepção

O QUE OS DADOS REVELAM?

Quando olhamos o resultado vemos que 57.7% já ouviram vozes, palavras ou sons sem fonte aparente, 56% relataram sentir cheiros sem explicação, 49,9% sentiram que ganharam ou perderam energia do corpo ao interagir com certas pessoas, objetos ou entidades, 44,7% já perceberam rostos em objetos, 40% sentiram toques físicos sem ninguém por perto, 38,1% já passaram por episódios de paralisia, onde não conseguem mover o corpo, 24,4% já viram luzes, brilhos ou pontos luminosos sem uma origem clara, 21,7% enxergaram coisas que outras pessoas ao redor não conseguiam ver, 18,8% sentiram que havia um outro ser dentro de seu corpo controlando seus sentimentos e ações, 14% relataram ter visto uma aura ao redor de alguém ou de algo.

Esses dados indicam que, longe de serem exceções, as experiências sensoriais não ordinárias são parte do repertório de uma parcela relevante da população brasileira. Algumas mais, outras menos. Mesmo as experiências menos prevalentes como ver auras ou sentir  um outro ser dentro do corpo ainda foram relatadas por cerca de 1 em cada 10 brasileiros, o que é expressivo quando consideramos uma amostra populacional ampla. 

POR QUE ISSO É TÃO RELEVANTE?

Vivemos em uma sociedade que muitas vezes associa o incomum ao patológico, ao sobrenatural ou à superstição. No entanto, este estudo aponta para uma realidade mais complexa: ter essas experiências não significa, necessariamente, estar doente, ser portador de uma mediunidade, ou estar delirando. Assim, elas podem fugir a essas interpretações. Por exemplo, numa perspectiva evolucionista, tais vivências podem refletir adaptações naturais do cérebro humano, desde a capacidade aumentada de perceber ameaças ambientais até mecanismos que favorecem vínculos sociais e sobrevivência grupal.

Isso não quer dizer que essas experiências nunca estejam associadas a quadros de sofrimento psíquico e, por isso, buscar avaliação profissional quando há dúvida ou angústia continua sendo essencial. Mas também não significa que, por si só, essas vivências sejam sinal de desequilíbrio mental.

IMPACTOS PARA A SAÚDE MENTAL E A SOCIEDADE

Essa descoberta tem efeitos práticos poderosos. Para profissionais de saúde mental, significa a necessidade de escuta qualificada e livre de estigmas. Quando alguém relata, por exemplo, que sente toques sem fonte aparente, isso não deve ser imediatamente interpretado como sintoma de psicose, mas sim contextualizado cultural, biográfico e subjetivamente.

Bem, agora já sabemos mais sobre as experiências não ordinárias de cunho sensorial. Mas estes dados podem ser aplicados aos outros grupos de experiências? Essa pergunta vai ser explorada no próximo artigo da série. Fique de olho!

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