Como diferenciar o vivo do não vivo? Animais extremamente complexos, como nós, seres humanos, são feitos de átomos. Quão complexo esse arranjo de átomos deve ser para passar da química para a biologia?
Por séculos essas perguntas foram debatidas por filósofos e naturalistas, mas com poucas ferramentas matemáticas e físicas. Apenas nos séculos XX e XXI os físicos começaram a analisar intensamente essas perguntas e a adicionar outras, igualmente interessantes, como: por que existe vida? A vida pode ser completamente derivada das leis da física? E, ainda, seria a vida uma consequência inevitável das leis do Universo?
Cada vez mais a biologia quântica e a física de sistemas complexos trazem novas descobertas que ampliam o entendimento humano sobre essas questões. Em outubro de 2023, foi publicado na revista Nature um estudo sobre o desenvolvimento de uma nova teoria, chamada Assembly Theory (Teoria da montagem, em tradução livre), que pretende explicar e quantificar a evolução darwiniana a partir das leis fundamentais da física.
Essa teoria propõe uma forma de mapear os passos necessários para formar uma determinada molécula ou objeto, mapeando inicialmente os passos para formar estruturas simples e, posteriormente, identificando como essas estruturas mais simples podem se arranjar para formar estruturas mais complexas, até que, após alguns “níveis de complexidade”, esses arranjos possam apresentar características que geralmente só são observadas nos seres vivos.
A definição de vida é um tema espinhoso e há séculos discutido por filósofos e cientistas. Não existe uma definição única aceita por todos, mas existem algumas características comuns que geralmente são associadas à vida. Até cientistas da NASA, a agência espacial estadunidense, estudam o tema. Afinal, como reconheceríamos algo vivo que não seja nem um pouco parecido com a vida com a qual estamos habituados aqui na Terra? Segundo a NASA, a vida é um sistema químico autossustentável submetido à evolução darwiniana.
1 – Processos aleatórios (como mutações nos genes) dentro de uma população de indivíduos da mesma espécie geram diferenças hereditárias em características físicas e comportamentais.
2 – Pressão seletiva fazem com que algumas características hereditárias se tornem mais comuns em uma população, pois podem conferir vantagens e aumentar as chances de reprodução.
3 – Hereditariedade faz com que certas características sejam passadas para as próximas gerações por meio de algum mecanismo de memória química (como a molécula de DNA).
Apesar de a Teoria da Evolução ser extremamente importante para compreendermos a vida na Terra, e para explicar como os seres vivos evoluíram de indivíduos unicelulares para seres humanos com consciência, ela não explica como os átomos se arranjam de tal forma a virarem células vivas.
Mas a física consegue explicar muito do que conhecemos no Universo se nos basearmos apenas em conceitos fundamentais, como as interações entre átomos e moléculas mediadas por forças e trocas de energia. Entretanto, nada do arsenal intelectual da física pode provar o fenômeno da vida como uma consequência das leis fundamentais.
Portanto, objetos muito complexos encontrados em grande quantidade indicam o fenômeno da vida. Dessa forma, segundo a Assembly Theory, vida é a capacidade de armazenar memória química (como na molécula de DNA), a qual garante a habilidade de produzir repetidamente objetos complexos que são estatisticamente impossíveis de serem encontrados em um elevado número de cópias simplesmente por processos aleatórios.
O que torna a Assembly Theory realmente interessante é que ela se baseia em princípios básicos, como análise estatística, e em grandezas mensuráveis experimentalmente, como o número de cópias idênticas de um objeto. Por exemplo, o Assembly Index pode ser medido por meio de espectroscopia de massa.
Entre as previsões interessantes da teoria, podemos destacar a mensuração de que um Assembly Index superior a 15 significa que o objeto estudado é vivo, ou derivado de algo vivo. Por exemplo, uma célula, um animal ou um vegetal dos mais simples tem esse índice superior a 15. Um computador obviamente não está vivo, mas tem elevado Assembly Index e número de cópias, uma vez que ele é um produto da vida — afinal, sem vida, não existiriam computadores.
Marcelo Sousa
IDOR/Bright/UFC
“Eu sempre fui fascinado pelas explicações que a física dá sobre organismos vivos. Se pararmos para pensar, do ponto de vista das leis da física, a vida é muito contraintuitiva! A pergunta que mais me chamava a atenção era: “por que existe vida?”. Esse artigo foi o primeiro que estudei em que a física é usada não apenas para descrever organismos vivos, mas também explicar o fato da vida simplesmente existir.”
Matheus Araña
École Polytechnique de Paris
“A Assembly Theory tem como objetivo quantificar a complexidade de um determinado sistema. Por ser bem definido matematicamente, a “complexidade” pode ser calculada e medida através do Assembly Index. Na minha opinião, isso é um grande passo para a física dos sistemas complexos, que estuda desde sistemas biológicos até formação de civilizações. Entretanto, antes de ser considerado um breakthrough, precisamos ver a teoria em ação. Aguardo ansiosamente por aplicações fascinantes.”
Assista ao vídeo no Instagram da Ciência Pioneira: https://www.instagram.com/reel/C0PJciIhVwo/?utm_source=ig_web_copy_link&igsh=MjM0N2Q2NDBjYg==
Esse texto de divulgação científica foi produzido por Marcelo Sousa e Matheus Araña exclusivamente para a Ciência Pioneira.
Link para o artigo: https://www.nature.com/articles/s41586-023-06600-9
Link para a reportagem: https://www.santafe.edu/news-center/news/new-assembly-theory-unifies-physics-and-biology-explain-evolution-and-complexity
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